Dia 13 de outubro de 1990, há exatos 20 anos foi promulgada a Lei Nº 8.069 colocando em vigência o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que substituiu o então Código de Menores de 1979. A fim de comemorar os 20 anos do ECA, no dia 13 de outubro de 2010 a Escola Superior do Ministério Público de São Paulo convidou o seus precursores para expor um pouco do histórico da constituição dessa Lei que hoje é referencia mundial e já está na terceira geração.
Na mesa estavam o Dr. Munir Cury (procurador de justiça aposentado do Ministério Público de dão Paulo Advogado e Consultor), o Dr. Paulo Afonso Garrido de Paula (procurador de justiça do Ministério Público de São Paulo, mestre em Direito pela PUC-SP), Dr. Jurandir Norberto Marçura (procurador de justiça do Ministério Público de São Paulo), Profa. Irandi Pereira (doutora em Educação pela USP), Irmã Maria do Rosário Leite Cintra (Pedagoga, mestre em educação, membro da Pastoral do Menor (CNBB), Sra. Ruth Pistori (assistente social e membro da pastoral do Menor (CNBB), Dr. Luiz Roberto Jordão Wakim (promotor de justiça da infância e da juventude de Barueri – MP-SP) e Dr. Fernando Henrique de Moraes Araújo (promotor de justiça, coordenador da Área de Infância e Juventude do CAO Civil e de Tutela, mestre em Direitos Difusos pela PUC-SP).
Estes ilustres nomes fazem e fizeram parte da história de lutas para tirar as crianças e os adolescentes pobres do tratamento dado pelo então Código de Menores, que não diferenciava criança de adolescente, sendo considerados menores todo indivíduo com idade entre 0 e 18 anos, onde a ordem era encarcerar todo menor que estivesse em “desajuste”, sendo muitas vezes garotos detidos por estarem perambulando ou até mesmo jogando bola na rua.
Segundo Dr. Munir, quando ingressou por volta de 1969 no Ministério público, já tinha uma grande indignação a respeito da forma com a qual crianças e adolescentes eram tratadas no então Código de Menores em vigor e principalmente pelo fato de que com o código de Menores o Ministério Público ficava de mãos atadas, dependendo da benevolência do magistrado para uma possível transformação, foi em 1986 convidado pelo então procurador Paulo Salvador Frontine para coordenar a Coordenadoria de Menores, tendo um início precário já que não existia no Ministério Público até então um órgão voltado aos assuntos da Criança e do Adolescente.
A pedido do deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Nacional Constituinte, formou juntamente a seus amigos Dr. Paulo Afonso Garrido de Paula e Dr. Jurandir Norberto Marçura um grupo de trabalho voltado ao tema criança e adolescente para desenvolver novas diretrizes gerais sobre esse tema para a constituição que estava por ser promulgada. O resultado desses trabalhos concretizou-se no Artigo 227 que serviu como base para o ECA, já que introduziu conteúdos próprios da Doutrina de Proteção Integral da Organização das Nações Unidas, que passava a tratar crianças e adolescentes como indivíduos de direitos, garantindo-lhes direitos fundamentais de sobrevivência, desenvolvimento pessoal, social, integridade física, psicológica e moral, protegendo- através de dispositivos legais diferenciados, contra negligência, maus tratos, violência, exploração, crueldade e opressão.
Entretanto sua promulgação não foi tão fácil como parece, pois o ECA sofreu uma oposição ferrenha, principalmente do desembargador do Rio de Janeiro conhecido como pai do Código de Menores que propunha a regulamentar a situação das crianças e adolescentes que estivessem em situação irregular (Doutrina da Situação Irregular), tentando até mesmo negociações inconciliáveis.
O Dr. Paulo Afonso em sua fala defende que o ECA é um fruto da resistência democrática contra uma ditadura que sufocava direitos humanos, que surgiu de uma necessidade de remoção do entulho autoritário, da capacidade de indignação contra a desigualdade com a qual era tratada a criança e o adolescente e por uma motivação encontrada na crença de que as pessoas podem sem mais felizes.
Expõe também que o estatuto foi formulado coletivamente com a participação tanto dos juristas ligados ao Ministério Público quanto a Sociedade Civil representada pelo O Movimente Nacional de Meninos e Meninas de Rua e pela Pastoral do Menor ligada à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), e que seus mecanismos possibilitaram a cobrança judicial de políticas sociais não só à criança e ao adolescente, mas de uma forma mais geral.
O Dr. Jurandir Norberto relata que no Ministério Público não havia funções diretas ao tema, mas um sistema plenamente burocrático que não motivava a atuação dos promotores na área já que não era vista como prioridade. Sendo que ainda hoje é necessário que o Estado entenda que é extremamente preciso um investimento na criança e no adolescente, pois evita-se custos com novas prisões e encarceramentos mais tarde.
A mediadora da mesa Dra. Eloisa de Sousa Arruda (promotora de Justiça e Diretora do CEAF-ESMP) expõe que a PUC-SP foi a primeira universidade a incluir na grade do curso de Direito uma disciplina voltada à defesa do Direito da Criança e do Adolescente.
Como já citado, a Pastoral do Menor teve grande importância na relatoria do ECA, a Sra. Ruth Pistori aos 79 anos de idade e com uma incrível lucidez descreve que na época o povo clamava por justiça, pela derrubada do Código de Menor que penalizava a pobreza, pela liberdade das crianças deste julgo, pois os juristas detinha um poder ilimitado sobre o menor, o que propiciava verdadeiras injustiças com as crianças pobres. Mas que muita coisa ainda precisa ser alcançada, pois a sociedade não se conscientizou, ainda há muitas inconformidades e que segundo estatísticas as principais violações do ECA hoje são: Violência Psicológica, Direito à Alimentação, Abandono, Violência Física, Direitos à Higiene, Educação, Trabalho Infantil, Violência / Abuso Sexual, Ambiente doméstico violento.
A Irmã Maria do Rosário também membro da Pastoral do Menor e do IDICA (Instituto de desenvolvimento Integral da Criança e do Adolescente criado em 1994) conta que devido a falta de tempo para se coletar assinaturas, teve que entregar o projeto do ECA nas mãos de um deputado e um senador como se eles fosse os autores, porém deixando claro a ambos que nenhuma mudança poderia ser feita sem que antes fossem consultadas.
Também narrou como os casos eram tratados no juizado, que os juízes não falavam diretamente com os menores, que somente a Assistente Social do Fórum podia acompanhar os menores em Liberdade Assistida, apesar de não ter contingente suficiente para isso, além de que algumas técnicas ao contrário de fazerem visitas domiciliares, aguardavam a ida dos meninos até elas, meninos estes que muitas vezes moravam longe, até mesmo em outros municípios e não tinham dinheiro para seu transporte, quando eles não vinham, seja lá por qual motivo fosse elas apenas notificavam o juiz que emitia logo um mandato de busca e apreensão.
Mas defendeu que ao contrário das colegas, a Sra. Ruth Pistori realizava as visitas domiciliares e ao se deparar com situações de extremo pauperismo, muitas vezes deixava de realizar outras visitas para intervir nos casos extremos e ao perceber que para cada intervenção realizada, deixava inúmeras visitas por fazerem, foi em busca do auxilio da comunidade, composta por religiosos convidados por Dom Luciano, inflacionando o Código Vigente.
Foi a partir dessa ajuda que elas uniram suas experiências, Sra. Ruth na área corporativa (já que fundou o Serviço Social no então Banco Comercial, hoje Banco Itaú) e Irmã Maria com sua experiência pedagógica, a fim de sistematizar a prática e realizar um estudo científico, onde buscaram olhar o mundo a partir da criança.
Ambas testemunharam que no dia em que o ECA foi à votação no Senado, elas uniram cerca de 2.000 crianças na Praça da Sé clamando pela aprovação do Estatuto, no momento em que as crianças cantavam, a Sra. Ruth entrou em contato com o então deputado Plínio de Arruda Sampaio e o colocou para ouvir o canto das crianças, não sabendo que o mesmo havia ligado o telefone às caixas de som de todo o senado para que os senadores ouvissem o clamor enquanto votavam.
Em defesa do controle social sobre as políticas sociais voltadas a Criança e ao Adolescente, a Profa. Irandi explica que é necessário um diálogo entre a Sociedade Civil e o Estado, que o Controle social não é uma fiscalização apenas mas uma metodologia, um processo de educação da população brasileira a respeito da garantia de seus direitos, para isso é preciso olhar não só para a criança e o adolescente, mas também para o trabalhador que lida diariamente com eles.
Deixa o questionamento: O que é o respeito aos Direitos Humanos? Respondendo sucintamente que se trata da garantia da integridade física, da segurança do menor em conflito com a lei, de uma gestão democrática, de uma mobilização da opinião pública e que o processo educativo é longo e lento, não se deve esperá-lo para um período de quatro ou cinco anos.
O Dr. Luiz inicia sua fala contando uma leitura de Irene Izini da PUC-RJ que ilustrou dois momentos antes do ECA que o marcou, o primeiro que nos anos 70 ao visitar um orfanato a mesma se deparou com crianças conversando entre si num dialeto próprio que ninguém mais entendia, uma vez que nenhum adulto se dirigia a elas ensinando-lhes a falar, e o segundo sobre uma manchete em um grande jornal vinculado no Rio de Janeiro nos anos 80 que dizia “MENORES ATACAM CRIANÇAS EM ESCOLA” como se os menores não fossem crianças.
O mesmo doutor fez duras críticas sobre o tratamento dado ao Conselho de Direito que fora criado para uma participação democrática da sociedade civil na formação das políticas publicas, devendo ser órgãos paritários. Entretanto esses conselhos são muitas vezes esquecido, não tendo sua função exercida plenamente. Critica a dificuldade que o Ministério Público tem de entender a necessidade de aproximação com essas entidades, que os promotores ligados às Varas da infância e Juventude devem deixar mais seus gabinetes e olharem com menos desconfianças para os conselhos, entendendo que suas deliberações são vinculativas. Critica mais ainda a falta de comprometimento das Entidades Sociais que em sua maioria estão preocupadas apenas com a arrecadação de fundos para beneficiar sua própria função e que não há diálogo entre as Secretárias da Saúde, da Educação e da Assistência Social, não havendo a compreensão e o respeito da Assistência Social como política de direitos e não como benevolência.
Defende claramente que só será possível um cumprimento pleno do ECA quando o mesmo estiver de mãos dadas com o SUAS (Sistema Único de Assistência Social), pois não é possível trabalhar a criança e o adolescente sem trabalhar a sua família, tendo em vista que as principais violações do ECA ocorrem dentro do ambiente familiar.
Em complemento à fala do Dr. Luiz, o Dr. Fernando alega que há a necessidade de uma busca histórica, já que o povo que não conhece sua história não faz história, que é necessário uma articulação de políticas públicas, principalmente de políticas voltadas à dependência química que como se sabe é a raiz de muitos problemas.
Explicita que é bem mais fácil punir a criança e o adolescente podando-os de seus direitos tais como o de ir e vir, a partir de um toque de recolher que busca minimizar a violência, fruto apenas de uma expressão da desigualdade social e que a educação dos filhos está historicamente ligada à violência por parte dos pais.
Encerra sua fala e por fim a palestra alertando que se faz necessário e urgente a retirada do papel dos artigos 87 e 88 do ECA, onde são defendidas as seguintes clausulas: Art. 87. São linhas de ação da política de atendimento: I - políticas sociais básicas; II - políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que deles necessitem; III - serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão; IV - serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos; V - proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente. VI - políticas e programas destinados a prevenir ou abreviar o período de afastamento do convívio familiar e a garantir o efetivo exercício do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência e VII - campanhas de estímulo ao acolhimento sob forma de guarda de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e à adoção, especificamente inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência e Art. 88. São diretrizes da política de atendimento: I - municipalização do atendimento; II - criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais; III - criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização político-administrativa; IV - manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente; V - integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, a fim de agilizar o atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional; VI - mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade. VI - integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Conselho Tutelar e encarregados da execução das políticas sociais básicas e de assistência social, para efeito de agilização do atendimento de crianças e de adolescentes inseridos em programas de acolhimento familiar ou institucional, com vista na sua rápida reintegração à família de origem ou, se tal solução se mostrar comprovadamente inviável, sua colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei; (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência e VII - mobilização da opinião pública para a indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência.
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