segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Tentando entender a economia brasileira dos anos 80


A espoliação do povo brasileiro não é uma “dádiva” dos últimos governos, é um fruto semeado desde o primeiro governo militar (1964) que continuou a política econômica internacionalista de JK, aumentando o PIB para níveis altíssimos, concentrando cada vez mais a renda nas mãos de poucos.
Foi no governo militar que se ocorreu o conhecido “milagre econômico”, onde o grande crescimento da economia brasileira deu-se através de um Estado participativo, que controlava além das obras e serviços, a mineração, a produção petroquímica, transportes ferroviários, energia e comunicação, sendo um grande gerador de empregos. Além das multinacionais que vieram para o país, atraídas pelos incentivos fiscais e mão de obra barata, o que diminuía significativamente os custos na produção.
O Estado também investiu no setor agrícola para aumentar as exportações, fornecendo isenções, financiamentos, desvalorização da moeda, aumentando muito a extensão de terras cuja produção era voltada somente para a exportação, já que os baixos salários não permitiam que o mercado interno consumisse tudo o que se produzia, e não era interessante para a burguesia aumentar o poder de compra interno, já que para isso se fazia necessário um aumento salarial para a classe baixa, o que diminuía a lucratividade dos produtores.
Porém, durante os anos 70, o “milagre econômico brasileiro” teve um declínio devido a um período de retração na economia capitalista, período esse agravado pelos altos preços do petróleo no mercado internacional. Os países subordinados à tecnologia estrangeira e dependentes da exportação de produtos primários e empréstimos externos, foram os mais afetados, o Brasil inclusive, já que a inflação tornou-se incontrolável, os investimentos passaram para o setor financeiro e a queda na exportação foi acompanhada pelos gastos com as importações e a fim de sustentar o desenvolvimento econômico através de grandes projetos o governo fazia empréstimos com juros altíssimos.      
Os juros altos e o pagamento de royalties pela tecnologia estrangeira contribuíram para o crescimento do endividamento do país. No inicio de seu governo, Figueiredo propunha, através do III Plano Nacional comandado por Delfim Neto, a continuidade do crescimento econômico e o controle da inflação a partir de uma expansão agrícola e um aumento das exportações. Entretanto, internacionalmente, devido à recessão, houve uma queda das exportações brasileiras e um consequente aumento do preço dos importados necessários para a produção industrial. Com a queda nas vendas, principalmente automobilística, várias empresas baixaram sua produção e demitiram muitos funcionários  e ao invés de crescer a economia brasileira apresentava recessão, tendo o governo que optar por mais empréstimos para solução desse quadro, priorizando o pagamento dos juros da dívida a fim de mostrar-se capaz de solucionar suas dificuldades financeiras e manter assim créditos junto ao FMI.
O Brasil, no inicio de 1983 assinou com o FMI uma “carta de intenções” que lhe impunham algumas metas a serem cumpridas, tais como a redução do crédito, do déficit público, dos subsídios, a desvalorização da moeda e a restrição aos aumentos de salários, para atender a tais exigências o governo controlava as negociações salariais e através de leis, além de diminuir o valor real dos salários também distribuía as perdas entre as diversas faixas salariais.
Porém essas medidas somente agravaram a tensão já existente entre os trabalhadores e o Estado, levando a greve para outros seguimentos além dos operários, como professores, médicos, funcionários públicos que exigiam aumentos condignos, estabilidade de emprego e reconhecimento de representações nos locais de trabalho. Apesar das greves, a inflação só continuava a subir, permanecendo em crescimento, apenas o setor agrícola por causa das exportações de produtos como soja, café e cacau. A construção civil, a comunicação e os transportes foram outros setores diretamente atingidos principalmente pelo controle do déficit público, já que dependiam diretamente das encomendas dos setores públicos, o que aumentou ainda mais o desemprego.
Com a continua exploração dos trabalhadores e consumo de 90% da riqueza por eles produzida, pela dívida externa, o caos estava instaurado, já que em grandes centros urbanos, os desempregados em forma de protesto e desilusão com uma postura do governo frente a sua situação, saqueavam lojas durante passeatas. Na área rural, aumentavam-se os conflitos de terra, culminando numa greve de cerca de 150 mil bóias frias no interior de São Paulo por quatro dias. Assim, a impopularidade do governo crescia juntamente à inflação e inúmeros escândalos vinham à tona envolvendo empresários e banqueiros favorecidos pelas medidas adotadas pelo governo.
Em 1985, José Sarney assume a presidência do país, herdando a maior divida externa do mundo, e apesar de suas primeiras medidas darem a impressão que poderiam realizar grandes reformas sociais, tais como o Plano Nacional de Reforma Agrária decretado em 1985, logo se tornou claro que tal reforma carecia de bases políticas, o que não se teve, já que recebera inúmeras emendas no legislativo, partidas de políticos opositores, na maioria donos de grandes propriedades de terra, e não sendo levado ao conhecimento dos trabalhadores rurais para que o defendessem.
Com a nova Constituição, a redistribuição de terra continuou sob o controle estatal, o que não garantia uma “função social”, mesmo com o crescente conflito de terra entre posseiros e jagunços com conseqüentes e incontáveis mortes acobertadas. Devido aos ônus sociais gerados pela dívida externa, ocorriam inúmeros protestos de sindicatos e outras associações civis contrários ao seu pagamento, o que levou Sarney a suspender o pagamento dos juros em 1987, até que o governo negociasse com os credores formas mais “justas” de pagamento.
O governo americano, em 1989 declarou que mesmo que nove dos seus maiores bancos perdoassem a divida dos países do Terceiro mundo, como o Brasil, esta permaneceria economicamente estável.
Em 1985 o ministério da fazenda foi assumido pelo empresário Dílson Funaro, que com uma equipe de jovens economista afinada com o ministro do Planejamento João Sayad anunciaram em 1986 à Nação o Plano Cruzado que consistia numa reforma monetária, substituindo o cruzeiro pelo cruzado na razão de 1: 1000, sendo esta reforma substituída pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) e a Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN) pela Obrigações do Tesouro Nacional (OTN), com o valor congelado por um ano. Sendo os aluguéis, hipotecas e preços também congelados, este ultimo por tempo indeterminado. Todavia os salários continuavam com um rígido controle estatal, sendo reajustados pelo valor médio dos últimos seis meses mais um abono de 8%, posteriormente reajustado automaticamente quando a inflação atingisse 20%, sendo liberada a negociação de adicionais com os patrões e o seguro desemprego.
Apresentado publicamente este Plano, Sarney convidou a população a fiscalizar os preços dos supermercados, comparando-os a uma lista de produtos tabelados, com isso, após o primeiro mês de vigência do Plano, já foi possível constatar uma redução da inflação e uma retomada gradativa do ritmo de produção e empregos e com o decréscimo dos lucros no setor financeiro, o setor produtivo voltou a receber investimentos, crescendo rapidamente a demanda de consumo pelas famílias que com a estabilidade dos preços planejavam seus gastos. Porém após alguns meses, com  a redução de lucros por parte dos produtores e intermediários, passou-se a diminuir o abastecimento da população, tornado-se escassos a carne, o leite e outros alimentos e afetando a produção nas indústrias com a falta de matérias primas.
Para se reduzir o consumo e aumentar o investimento, o governo lançou um “pacote”, criando empréstimos compulsórios para viagens ao exterior e para o consumo de combustíveis.  
Apesar do Plano Cruzado ter um efeito político positivo, com o aumento da confiabilidade no governo, do ponto de vista econômico, seu desempenho piorava, sendo, após as eleições de 1986, autorizado o aumento de 60% no preço dos combustíveis e reajustados os preços de automóveis, bebidas, açúcar, tarifas de serviços públicos, assim como as negociações nos preços dos alugueis. Em, 1987 na tentativa de negociação com os produtores, o governo chegou a confiscar bois de criadores, liberando também os preços, exceto os constantes na lista do Conselho Interministerial de Preços. Mais uma vez sendo população a maior prejudicada, com a volta das prateleiras cheias nos supermercados e o esvaziamento da mesa da população pobre.
Com o fim do Plano Cruzado a inflação voltou a crescer, assim como a descrença popular no governo, o crescimento inflacionário serviu para reforçar o fracasso das providencias para estabelecer um pacto social entre governo, empresários e trabalhadores. Em maio de 1987, Luiz Carlos Bresser Pereira assumiu o ministério da Fazenda, lançando o Plano Bresser a fim de estabilizar a economia nacional, este plano desvalorizava a moeda e continha os gastos públicos, porém após duras criticas e falta de apoio necessário para suas medidas, o mesmo foi demitido em dezembro de 1987.
Em seu lugar, assumiu Maílson da Nóbrega, que logo anunciou um pacote de medidas fiscais e contenção do déficit público, reduzindo os incentivos fiscais e o parando o pagamento da Unidade de Referencia de Preços (URP) – que era responsável pela correção trimestral de salários, tal medida se estendida a outras categorias, o que provocou longas greves e ações judiciais por se tratarem de direitos adquiridos pelos trabalhadores.
Com a inflação altíssima, o ano de 1988 foi um ano de crise, com o continuo empobrecimento dos trabalhadores, com isso o pacto social voltou a ser cogitado, entretanto as negociações eram difíceis, tendo em vista as divergências entre a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Centrar Geral dos Trabalhadores (CGT) – que dividiam desde 1983 a liderança do movimento sindicalista brasileiro. A CUT se recusava a negociar, pois discordava com a composição da representação dos trabalhadores e entendia que se tratava apenas de uma manutenção do controle dos salários, mas o acordo foi assinado em outubro de 1983 entre os empresários, a CGT e o governo, acordo esse nunca cumprido. Enquanto isso a inflação e o controle estatal sobre os salários continuaram a aumentar, atingindo a mesa do trabalhador, com a cesta básica consumindo 56% do salário mínimo, sendo novamente o preço pago pelos mais pobres.


Atenção, este texto teve como báse o Capitulo III do Livro:
A DÉCADA DE 80 – Brasil, quando a multidão voltou às praças de Marly Rodrigues 

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